segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Novo tédio

O texto a seguir foi publicado na Revista Informe C3, edição 17 – Ago/dez - 2015, e pode ser conferido neste link.

Novo tédio * 

Nojo era o que eu sentia do cheiro do suor dela. Ao mesmo tempo aguçava a minha curiosidade. E, por último, me excitava tremendamente. Quando ela se mexia na cadeira parecia que estava a dançar. Dançava e aquele cheiro doce e quente me invadia. Estávamos a uma distância de três metros, talvez, mas certo dia a circunstância me obrigou a trabalhar sob a axila dela. 

Era uma mulher de quarenta anos, aparentando trinta, que jamais havia olhado para mim. Jamais havia olhado e continuava sem olhar! Fazia-se dela suposições que a mim jamais interessaram, mas ela não sabia disso. 

Quando falava, exigia. Quando respirava, morria. Quando se mexia, matava aos poucos cada um de nós. Como podia aquela mulher permitir que sentíssemos o cheiro de seu suor? Eu passava as noites com aquele cheiro a rolar pela mente como se estivesse impregnado nas paredes da minha casa, esperando o dia seguinte para confirmar que era mesmo dela. Era um cheiro que não combinava com a roupa que ela vestia, com o cabelo ou o lugar em que trabalhávamos, aquilo não combinava com ela! 

Eu sofria com a possibilidade de encontrá-la no dia seguinte e tentei mesmo me afastar dela, mas foi impossível. De onde será que ela cheira assim? 

À tarde ela passou e o frio daquele cheiro me fez tremer. Passou-me pela cabeça a remota possibilidade de vasculhar o corpo dela à procura da origem daquele odor. E se viesse de entre as pernas, o que eu faria? Caso viesse das axilas eu as lamberia e as deixaria com um cheiro mais agudo e mais fraco. Mas se viesse de entre as pernas eu não saberia o que fazer. 

Mas, de tudo, o que mais valia era descobrir aquela mulher a quem ninguém ali conhecia. Ninguém ali conhecia, mas cogitavam as bocas isso e aquilo, batendo com as línguas nos dentes e os olhos se arrastando de ponto a ponto. Dos homens excitados, e algumas mulheres também, nasceram muitas ideias, mas nenhuma cabia nela. 

Eu perguntei. Um e outro também. Por que uma gota dela comicha a sola dos nossos pés? Comicha a sola dos meus, dos do Arnaldo, da senhorita R. C. e do G., que trabalha em outro setor? Parece que a distância não impede o cheiro dela de andar. 

E se ela parar no meio do meu quarto, nua, com os braços abertos e com as pernas abertas e das suas axilas peludas pingarem gotas de suor? Gotas tão grandes capazes de marcar o carpete do chão. 

Eu sonhei que ela e a senhorita R. C. estavam nuas sobre a cama em frente a uma janela grande e gemiam. Gemiam e a senhorita R. C. tinha os olhos fechados enquanto, por cima, a outra sorria e pingava suor de todos os pelos do corpo. Fora uma cena linda que só acabou com o nascer do Sol. 

*** 

Penetrei dois dedos nela. Depois a língua. E depois a língua e dois dedos. Ela gozou tantas vezes quanto durou a minha ira misturada com a excitação. 

Havia gozado com a cabeça apoiada no tapete e as costas na lateral da cama, em arco, quando pediu, ou melhor, mandou que eu parasse. Estava com as pernas abertas e eu tinha as duas mãos dentro dela. 

*** 

Uma semana depois, era uma segunda-feira, eu a coloquei para irrigar o jardim. Deixei-a lá, à noite, com os braços abertos e as pernas abertas. Completamente nua. Ela suava e pingava o suor na terra do meu jardim. Passou a nascer rosas. Rosas suculentas e perfumadas. Rosas que eu vendia e com o dinheiro comprava vestidos. Vestidos que ela usava para posar para as capas de revistas. Revistas que ninguém lê. 

* O título faz referência ao conto Tédio, publicado em Raridades (Multifoco, 2011).

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